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Coluna Linguística - Por que demoramos tanto para estudar a linguagem?

*Por Gabriel Pinheiro

Cassilândia Notícias - 14 de maio de 2025 - 09:56

Coluna Linguística - Por que demoramos tanto para estudar a linguagem?

Você já parou para pensar que fala antes mesmo de perceber que está falando?

Falamos porque estamos vivos. A voz, como os os, nos atravessa sem pedir licença. Assim como ninguém precisa estudar anatomia para caminhar, também não se aprende a falar consultando manuais. É algo que simplesmente acontece e, por isso mesmo, durante milênios, ninguém se deu ao trabalho de estudar a linguagem como objeto em si.

O consagrado linguista, Mattoso Câmara Jr., em sua ampla leitura dos caminhos que levaram ao nascimento da linguística, aponta que os primeiros povos não tinham qualquer consciência de que a linguagem merecia análise. Não porque fossem "atrasados", mas justamente porque a fala lhes era tão natural quanto o ar entre as folhas: presente, vital, invisível.

A virada começa quando os homens inventam a escrita. Nesse momento, com o gesto de registrar, congelar, desenhar a palavra, que nasce a possibilidade de olhar para a linguagem com um certo distanciamento. Como quem vê, pela primeira vez, o próprio rosto refletido num espelho de pedra. A partir daí, começam as tentativas de compreender a língua, seja para preservar textos sagrados, manter o prestígio das classes dominantes ou ensinar o que seria o “bom uso” das palavras. A gramática surge, então, como arte de conservar, antes mesmo de ser ciência.

Contudo, vale lembrar: houve muitos tipos de estudos antes de qualquer coisa que hoje chamaríamos de linguística. Foram os chamados estudos pré-linguísticos: a comparação com línguas estrangeiras, a leitura de escritos antigos, o julgamento do que é certo ou errado conforme o grupo social. Eram formas de lidar com a linguagem sem reconhecê-la ainda como um objeto digno de estudo autônomo. Só muito mais tarde — já no século XIX — a linguagem aria a ser tratada como fenômeno científico, com método, corpus e teoria.

Por ora, basta guardar uma imagem: por muito tempo, os seres humanos caminharam sobre palavras sem saber o terreno que pisavam. E ainda hoje, ao falarmos, repetimos esse mistério, carregamos a fala conosco como uma herança tão antiga que nem percebemos o seu peso.

*Gabriel Pinheiro é professor, psicopedagogo e mestrando em Linguística pela Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

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