Cassilândia
Coluna Linguística - Como aprendemos a falar? De onde vem a linguagem?
*Por Gabriel Pinheiro

Todo mundo já viu ou viveu aquela cena: o bebê solta um "dá-dá" ou “má-má”, a mãe se emociona, o pai corre para gravar no celular e a avó anuncia cheia de orgulho que aquela foi a primeira palavra. Por trás desse momento tão comum e encantador, existe uma pergunta que intriga estudiosos há muito tempo: como pode uma criança, tão pequena e sem entender direito o mundo ao redor, conseguir transformar sons em algo com sentido?
Para muita gente, falar parece algo natural, que simplesmente acontece. Mas, na verdade, usar a linguagem exige um conjunto de habilidades bastante complexas. Desde escutar o som das palavras até conseguir produzi-las com a boca, a criança precisa ativar várias partes do corpo e do cérebro ao mesmo tempo. Além disso, é necessário entender o que os outros dizem e também conseguir expressar o próprio pensamento. Tudo isso junto forma o que muitos chamam de sistema da linguagem.
Existem teorias diferentes sobre como esse sistema se desenvolve. Alguns estudiosos, como Noam Chomsky, acreditam que todo ser humano já nasce com uma espécie de estrutura pronta na mente, uma gramática inata, que só precisa de algum contato com a língua para começar a funcionar. Outros pesquisadores preferem a ideia de que a linguagem se forma com base nas experiências que a criança tem no dia a dia, ouvindo, tentando repetir, errando, acertando. Esse debate, conhecido como "herança ou ambiente" (nature x nurture), já gerou muitas discussões — e continua até hoje sem um veredito final.
Apesar das divergências, há pontos em que quase todo mundo concorda. Um deles é que, ao aprender a falar, a criança não está apenas imitando o que escuta. Ela cria padrões, percebe regularidades, formula regras próprias, mesmo sem ter consciência disso. Ray Jackendoff, por exemplo, no livro Padrões na Mente (Patterns in the Mind), explica que usamos estruturas mentais para organizar a fala. Quem diz "o cachorro mordeu o menino" entende que o sujeito e o objeto da frase importam, e que inverter a ordem muda completamente o sentido.
Tudo isso só é possível porque a linguagem funciona em várias frentes ao mesmo tempo. Existe um lado ligado à audição e à fala, chamado de interface articulatória e perceptiva. É por meio dela que escutamos os sons, reconhecemos as palavras e conseguimos pronunciá-las. Outro lado importante é o que organiza os pensamentos e os sentidos. Essa parte, conhecida como interface conceitual e intencional, ajuda a escolher as palavras certas, juntar as ideias, construir frases coerentes e fazer com que o que se diz tenha sentido para quem ouve.
O que impressiona é como tudo isso acontece de forma tão rápida e natural! Em poucos anos, a criança domina sua língua com uma precisão que muitos adultos nem percebem. Ela a a construir frases que nunca ouviu antes, usa palavras novas em contextos corretos e até compreende trocadilhos e brincadeiras linguísticas. Esse conhecimento, chamado de gramática interna ou inconsciente, organiza a fala sem que a pessoa precise pensar nas regras de forma consciente.
Na próxima matéria, vamos continuar essa conversa. A proposta será olhar mais de perto como o sentido das palavras se forma na mente, como o cérebro escolhe o que dizer, como as emoções interferem no jeito de falar e o que tudo isso revela sobre quem somos. Afinal, cada frase carrega mais do que informação: carrega também intenção, história e desejo de ser compreendido.
*Gabriel Pinheiro é professor, psicopedagogo e mestrando em Linguística pela Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp