Cassilândia
Coluna Linguística - Gramática e gramáticas (Parte 01)
Por Gabriel Pinheiro*

Quando alguém fala em “gramática”, o que vem à cabeça costuma ser aquele caderninho cheio de regras e broncas — o famoso "pode isso, não pode aquilo", que muita gente aprendeu a temer na escola. Mas a verdade é que essa tal de gramática é bem mais plural (e interessante) do que parece. Na real, não existe uma gramática só. Existe um verdadeiro condomínio de gramáticas, cada uma com sua função e sua personalidade. E entender essas diferenças pode mudar — para melhor — a forma como você vê a língua que fala todo santo dia.
Vamos começar pela mais famosa: a gramática normativa. Ela é tipo o manual de etiqueta da língua portuguesa. Serve para indicar como escrever e falar “bonito” em situações formais: prova, concurso, reunião com o chefe ou aquele textão acadêmico. Ela não está interessada em como as pessoas de fato falam, mas sim em como elas deveriam falar segundo certas normas históricas. É útil, claro. Mas sozinha, conta só um pedacinho da história.
Agora, imagine uma gramática mais curiosa, que não manda nem proíbe, só observa. Essa é a gramática descritiva. Ela senta na beira da calçada, escuta as pessoas conversando e anota tudo. Quer entender os padrões da fala real, da língua viva, sem julgar. “Cês vai?” está fora da norma? Sim, mas carrega uma lógica interna que a gramática descritiva quer justamente decifrar.
Tem ainda uma gramática que mora dentro da sua cabeça — e talvez essa seja a mais incrível de todas: a gramática internalizada. Você nunca estudou suas regras, mas usa todos os dias. É com ela que uma criança aprende a falar sem abrir um livro sequer. É um saber intuitivo, automático e invisível, mas que organiza tudo o que você diz, mesmo sem você perceber.
Ainda não acabou. Existe também a chamada gramática sociolinguística, que é tipo um espelho da sociedade. Ela mostra como as formas de falar mudam dependendo do lugar, do grupo, da idade, da situação. Não se trata de certo ou errado, mas de adequado. Falar com a avó não é igual a mandar um áudio pro crush. E está tudo bem com isso.
Essas gramáticas não brigam entre si — elas se complementam. Cada uma responde a uma pergunta diferente:
– Como devo falar? (normativa)
– Como as pessoas realmente falam? (descritiva)
– Como a linguagem se forma no cérebro? (internalizada)
– O que o jeito de falar diz sobre a gente? (sociolinguística)
Reconhecer essa diversidade é um o fundamental para se libertar dos preconceitos linguísticos e, quem sabe, até para gostar um pouco mais das palavras. Porque no fim das contas, toda gramática é uma lente — e mudar a lente muda tudo o que se vê. Inclusive você mesmo.
*Gabriel Pinheiro é professor, psicopedagogo e mestrando em Linguística pela Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.