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Coluna Linguística - Da gramática como arte à linguagem como ciência: o nascimento da Linguística

*Por Gabriel Pinheiro

Cassilândia Notícias - 28 de maio de 2025 - 06:30

Coluna Linguística - Da gramática como arte à linguagem como ciência: o nascimento da Linguística

Durante séculos, estudar a língua foi um exercício de autoridade. A gramática, como vimos, nasceu em contextos religiosos e imperiais — criada para preservar escrituras sagradas ou manter intacta a voz das elites. Mas algo mudou quando os séculos avançaram e o olhar humano voltou-se, enfim, para a linguagem não como espelho da ordem, mas como organismo vivo.

Essa mudança não veio de repente. Na Idade Média, gramática e lógica caminharam juntas. Pensava-se a estrutura da oração como se fosse uma equação: sujeito, cópula, predicado. As palavras eram vistas como signos de ideias, e a correção linguística, como reflexo da retidão do pensamento. Foi um tempo em que a língua ainda servia à razão — mas sem ser estudada como realidade autônoma.

A grande virada só veio no século XIX, com a descoberta do sânscrito por estudiosos europeus. Diante de uma língua ancestral, milenar e desconhecida, os eruditos começaram a perceber padrões que se repetiam entre línguas aparentemente distantes — o latim, o grego, o sânscrito. A partir dessas regularidades, nasce a gramática comparada: um novo modo de pensar a linguagem, não como algo a ser normatizado, mas como algo a ser compreendido em sua história, sua estrutura, sua evolução. Nasce aí o que conhecemos hoje como Linguística (ou a ciência da linguagem).

É com Rask, Bopp, Grimm, Humboldt e outros nomes que a linguagem começa a ser investigada com método, hipótese, comparação. A língua deixa de ser apenas uma herança do ado e a a ser um objeto do presente. Não mais o que deve ser dito — mas o que está sendo dito, por quem e por quê. A fala do povo, antes ignorada, a a ter valor de dado. A diversidade linguística, antes vista como ruído, torna-se sintoma de uma riqueza a ser estudada.

No entanto, mesmo quando nos aproximamos da linguagem com lupa e régua, ela continua a escapar. Porque a língua não é apenas sistema — é também experiência. Não basta saber que o verbo vem antes do sujeito numa frase interrogativa; é preciso escutar o medo, o desejo ou a hesitação que fazem alguém perguntar. É aí que a linguagem resiste à ciência: não por não ser estudável, mas por ser, antes de tudo, humana.

*Gabriel Pinheiro é professor, psicopedagogo e mestrando em Linguística pela Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp

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